A Saúde Emocional das Crianças em Tempos de Pandemia

Menina aborrecida na janelaEstamos vivendo um tempo diferente devido à pandemia do Novo Coronavírus que afetou o mundo como um todo. Todos nós, adultos, jovens, crianças e idosos estão experienciando formas de vida muito diferentes do que habitualmente vivíamos, sem contar com as perdas de pessoas queridas e constante ameaça à nossa saúde. Todo este cenário vem alterando em escalas e níveis diferentes a todos nós, porém as crianças, por serem tão dinâmicas e estarem voltadas para uma fase de descoberta da vida e do mundo e ainda não possuírem recursos refinados para lidar com situações conflitantes foram significativamente afetadas em seu bem estar emocional.

Não há uma receita para lidar com tudo isso, porém há diretrizes, ações e direcionamentos que podemos adotar para ajudá-los. É importante que os pais estejam atentos aos comportamentos de seus filhos frente ao isolamento e distanciamento social. As crianças estão fora de seu ambiente escolar e estão sentindo muita falta de seus colegas, professores e das atividades que realizam juntos. As competências sócio-emocionais perderam, por ora, o campo mais fértil para serem experienciadas que é a escola.

A competência emocional é a capacidade que uma pessoa tem de expressar as suas próprias emoções com total liberdade e deriva da inteligência emocional que é a capacidade de identificar emoções. A competência se aprende e determina a habilidade que uma pessoa tem para se inter-relacionar de forma construtiva com outras pessoas. As competências sócio-emocionais servem para que as crianças coloquem em prática as melhores atitudes e habilidades. Elas são as seguintes: empatia, felicidade, auto-estima, ética, paciência, auto-conhecimento, confiança, responsabilidade, autonomia e criatividade.

Desta maneira é imprescindível que as famílias trabalhem o aspecto sócio-emocional das crianças durante o confinamento. Quais as possibilidades para isso? Em primeiro lugar o diálogo, fazer coisas juntos, assistir a filmes, ler livros com eles. Para prevenir os transtornos mentais no contexto atual, é preciso: atenuar as adversidades, acionar sistemas sociais de suporte, identificar precocemente os primeiros problemas e agir sobre eles evitando que piorem. Como atenuar as adversidades que ocorrem da pandemia? Pais devem ser sensíveis ao estresse vivenciado por seus filhos e acolher, confortar, transmitir segurança e ensinar aos filhos que é possível aprender com as adversidades. É possível olhar para elas de diversos ângulos, buscando algo positivo. Por exemplo, a ocorrência da atual pandemia poderá servir de alerta à comunidade global para o risco de outras pandemias e dessa forma, evitar que uma ainda mais letal ocorra. Pode não haver um ângulo positivo quando, por exemplo, um familiar morre, ou quando a renda desaparece. Nesses momentos, o melhor a fazer é aceitar. Aceitar que adversidades ocorrem e que não é possível controlar a vida.

Aceitação é um processo difícil, especialmente para crianças, mas que pode ter grandes efeitos positivos na redução de ansiedade. Algumas habilidades das crianças parecem facilitar o processo de lidar com as adversidades: crianças mais flexíveis, que se adaptam ao ambiente com mais facilidade, que têm maior capacidade de regular suas emoções, que têm amigos. Porém, não será possível atenuar os efeitos da pandemia sobre muitas crianças e adolescentes que irão desenvolver sintomas emocionais e comportamentais: ansiedade, irritabilidade, tristeza, insônia, agitação e desesperança são alguns deles. Nessas situações será fundamental, a identificação precoce. Crianças em maior risco devem ser monitoradas pela família, pelos professores e profissionais da saúde. Quando os transtornos mentais estiverem instalados, tratamentos adequados devem estar disponíveis. O distanciamento social é uma grande barreira para isso, mas estratégias implementadas através da internet e hoje regulamentadas no Brasil como tele atendimento e uso de aplicativos) alcançam facilmente as crianças e adolescentes.

Temos de transformar risco para a doença em oportunidade para desenvolvimento e garantir que uma “segunda onda” da pandemia relacionada a transtornos mentais seja prevenida. Adultos precisam de apoio familiar, da escola de seus filhos e acesso aos seus próprios tratamentos. Apoio por meio virtual ou, quando a urgência não permitir, presencial. Para ensinar aos filhos que é possível aprender com as adversidades, os pais precisam estar relativamente saudáveis. Muitos pais não terão essa capacidade, seja porque apresentam transtornos mentais ou porque estão sofrendo os efeitos agudos da pandemia. A atual pandemia e todo o contexto que a acompanha chegam aos cérebros das crianças, por meio de emoções de seus pais e outros adultos significativos, pelas mudanças da rotina e do ambiente ao longo do tempo. O cérebro de cada criança é diferente e reconhecerá os dados recebidos de formas particulares. Surgirão pensamentos e emoções como sinais de estresse, que serão transmitidos de forma direta (expressando medo, insegurança) ou indireta (irritação, insônia, etc.). Os pais que são protagonistas no desenvolvimento dos seus filhos, poderão reconhecer os sinais de estresse, processá-los e retransmitir às crianças respostas que geram acolhimento, segurança, aprendizado, estabelecendo um ciclo positivo. Entretanto os pais podem não reconhecer os sinais de estresse dos seus filhos, ou podem reconhecer, mas não responder, ou ainda podem transmitir respostas que geram mais medo, insegurança e desamparo estabelecendo um ciclo negativo. Todas as crianças e adolescentes neste momento se deparam com situações que geram sofrimento. A limitação de não poder ir e vir, a restrição de espaço, não poder encontrar ou abraçar seus avós, não poder encontrar seus amigos, ter festa, viagens e campeonatos cancelados, o medo de ser infectado ou de ter seus familiares infectados, a interrupção do ensino presencial, a percepção de que seus pais estão ansiosos, preocupados, irritados, as brigas, são todas situações que geram estresse no momento.

O que estamos percebendo é que o estresse não terminará com o fim do distanciamento social e com a abertura de escolas de acordo com que estamos vendo com outros países). Quando os estímulos que chegam ao cérebro da criança tem um cérebro que processa adequadamente esses estímulos e quando o estresse resultante é processado pelos pais e retransmitido de forma que gere aprendizado, provavelmente haverá o fortalecimento emocional dessa criança, um processo chamado de resiliência. No entanto quando os estímulos que chegam ao cérebro das crianças são devastadores, quando o cérebro da criança não os processa adequadamente ou quando os pais amplificam o estresse, haverá o que se chama de estresse tóxico e aí problemas emocionais ou comportamentais podem se instalar. Estar atentos, prevenir e atender as necessidades que vão surgindo neste processo é de extrema importância e é algo que todo adulto responsável deve assumir como prerrogativa de sua atitude consciente.